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Cuiabana supera tragédias pessoais e se dedica a ajudar o próximo

Criada longe dos pais, violentada aos 10 anos, alfabetizada tardiamente, sobrevivente do câncer. A dona de casa cuiabana Jozely Ribeiro, de 51 anos, tem razões de sobra para cuidar de apenas si própria.

Mas ela preferiu outro caminho. Uma vez por mês Jozely realiza, em sua chácara, no Bairro Nova Esperança 2, na região do Pedra 90, um brechó totalmente gratuito. Um número incontável de pessoas carentes já foi favorecido pelas doações.

O brechó acontece todo terceiro sábado do mês, das 7h às 12h. Dona Jô, como é conhecida, e mais uma equipe de 25 pessoas montam diversas bancadas e separam as roupas a serem doadas.

O bazar surgiu há cerca de um ano e faz muito sucesso. Segundo a idealizadora, cada edição atende em torno de 30 a 50 pessoas.

“Vem gente até debaixo de chuva!”, afirmou Jozely com orgulho.

Aqueles que precisam escolhem o que gostam e o que lhe servem e levam para casa. O bazar também disponibiliza móveis sem custo nenhum.

“As pessoas levam de cinco até 20 peças. Aqui eu já vi gente sair com cinco sacos de roupas, calçados”, relatou Jozely.

Além disso, o evento oferece café da manhã e almoço para seus beneficiários.

“Tem gente que vem de longe com criança. Já veio gente da estrada de Santo Antônio, de Souza Lima, lá de saída de Chapada. Sai cedo de casa e não tem café da manhã. Aí a gente prepara tudinho”, revelou.

Apesar disso, Jozely lamenta não conseguir fornecer as refeições em todas as edições, pois ela não tem dinheiro suficiente para arcar com os custos sozinha.

“Às vezes, quando não dá para fazer o almoço, entro em desespero. Como eles [beneficiados] vão voltar com fome? Porque, muitas vezes, eles vêm só com o dinheiro da passagem”, disse com pesar.

O evento também conta com um espaço de recreação para crianças e um momento de reflexão. “A gente ajuda com palavras, com carinho, com atenção. Não é só com material”.

Além de tudo, sem nenhuma ajuda dos órgãos públicos, ela tenta oficializar sua ong, com a qual pretende dar seguimento ao projeto do brechó. No entanto, Jozely enfrenta dificuldades para conseguir o registro.

“Eu ainda não tive apoio e condições financeiras. Seria essencial a ajuda do poder público para a gente conseguir registrar a ong. A partir desse registro, acho que a gente vai conseguir mais coisas”, apontou a idealizadora.

A organização conta com uma equipe de 25 pessoas, sendo 11 da diretoria. No entanto, o nome ainda não foi decidido.

Segundo Jozely, a equipe é composta por pessoas que antes ela ajudava, como é o caso de Kássia Santana, de 38.

Kássia é deficiente auditiva e era uma das beneficiárias do projeto. Um dia começou a ajudar dobrando as roupas e se apaixonou pela causa.

Com esse trabalho, Jozely conseguiu dois aparelhos auditivos para Kássia.

“E até hoje ela me ajuda. Se a bateria [dos aparelhos] está acabando, eu aviso e ela arruma novas para mim. As roupas que eu uso são todas daqui, de doações”, disse Kássia.

Sofrimento e superação

Apesar de todo o carisma, simpatia e necessidade de fazer o bem, Dona Jô também já enfrentou diversos obstáculos.

Sua vida nunca foi fácil. Desde criança foi repleta de dor e sofrimento. Ela não foi criada pelos pais e precisava cuidar de outras crianças na casa onde morava para receber alimentação.

Ela só pôde ir para a escola já aos 11 anos de idade. Nesse tempo, ficou sem teto, passou fome e frio.

Jozely também foi violentada aos 10 anos. Esse foi um momento muito angustiante e que ela se emociona até hoje ao relembrar.

“Essa foi uma situação que eu passei e na época eu não tive apoio nenhum. Muito pelo contrário. Fui muito criticada por eu ter sido violentada. Eu tinha 10 anos. Eu tinha sido culpada por aquilo e eu me calei pelo resto da minha vida”, revelou.

Já com 16 anos, a filantropa sobreviveu à tuberculose com ajuda de uma amiga cuja mãe trabalhava em uma unidade de saúde.

“Eu tinha tosse e febre todos os dias, mas achava que era uma gripe”, disse.

Depois de todos estes percalços, ela ainda precisou vencer quatro tipos de câncer diferentes que surgiram quase ao mesmo tempo. Em 2012, Dona Jô foi diagnosticada com câncer no útero, porém conseguiu superar sem a necessidade de cirurgia. Quase ao mesmo tempo, aos 43, descobriu um tumor no seio, que desapareceu como se nunca tivesse estado ali.

No mesmo ano, surgiu um tumor no estômago, que foi retirado em 2014 com uma cirurgia. Já em 2016, Jozely encontrou sete tumores em seu intestino. Todos foram retirados.

Nesse processo todo, precisou fazer apenas cinco sessões de quimioterapia.

Hoje Jozely convive com a diabetes e a pressão alta. Porém mais nada a abala. Mesmo com uma vida simples, ela notou que tem um grande impacto nas pessoas.

“Eu também passei por várias situações, coisas que não eram nem para eu estar aqui. Então eu vi que estou fazendo alguma coisa importante. É tanta coisa, mas nada me derruba. E nem vai me derrubar”.

Ela tem três filhos, um de 30 anos e um casal que é adotado – de 16 e 14 anos. Seu marido trabalha como pedreiro e, muitas vezes, não encontra serviço. Por causa disso, a família também passa por momentos conturbados financeiramente.

Mesmo assim, Dona Jô sempre mantém um enorme sorriso no rosto e uma inabalável disposição para levantar todos os dias com empolgação para ajudar o próximo.

O que a motiva?

Por conhecer na pele as dificuldades da sociedade, a idealizadora do brechó se sente a cada dia mais motivada a dar apoio a quem precisa.

Devido à sua infância, ela revelou que seu sonho é criar uma casa de apoio para crianças que foram violentadas. Com isso, acredita que pode fazer ainda mais pelas pessoas.

“Por eu ter passado por muitas necessidades, muita dificuldade, imagino que seja por causa disso que ajudo as pessoas. Por causa do nosso sofrimento, a gente quer amenizar o sofrimento das outras pessoas”, afirmou com lágrimas no rosto.

Para ela, o melhor momento em todo esse processo é quando percebe que está fazendo algo positivo. É como se Jozely estivesse retribuindo a oportunidade de estar viva.

“Elas ficam muito felizes e eu mais feliz ainda. A gente vê que elas ficam super felizes. Então, quando eu falo que vou acabar com o brechó, o pessoal entra em desespero”.

Contudo, ela se sente ineficaz quando não consegue ajudar as pessoas que chegam até ela.

“Eu me sinto impotente quando alguém me pede ajuda e eu não sei como ajudar. Mas eu não desisto”.

As doações

De acordo com a organizadora do brechó beneficente, a equipe recolhe as doações todo segundo domingo do mês. Com isso, eles conseguem atender cerca de 25 bairros em Cuiabá e Várzea Grande.

A maioria das doações é de roupas e calçados. No entanto, Jozely alerta que o que mais precisam são alimentos não perecíveis.

“A gente precisa mais de alimentos não perecíveis. Porque às vezes a gente faz uns kits para quem precisa. O alimento é imediato”, expôs.

Além disso, quem quiser contribuir pode entrar em contato pelo telefone: 99204-7739. Apesar desse recolhimento, os interessados também podem ir até a casa que terá alguém para receber.

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