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Igreja foi erguida por escravos após tragédia em escavação

Construída em 1725, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, no Centro da Capital, se tornou um símbolo de fé de devoção entre os cuiabanos. No entanto, ela esconde uma história trágica por baixo de suas paredes. Diversos escravos morreram em um acidente durante uma escavação na mina de ouro, no século XVIII.

De acordo com o historiador Aníbal Alencastro, em 1722, o bandeirante paulista Miguel Sutil descobriu a maior mina de ouro de Cuiabá. Com isso, ele levou escravos e indígenas para escavarem o local.

“Foi descoberta a maior mina de ouro e foi onde nasceu Cuiabá. Aí vieram os escravos, aventureiros e todo mundo começou a trabalhar ali. Nessa época, o Córrego da Prainha era aberto e todo mundo escavava ali, retirava ouro”, contou Alencastro.

Pouco depois, os mineradores encontraram a ponta de uma grande jazida de ouro, que ficou conhecida como "alavanca de ouro". Segundo o professor, os donos queriam retirar toda a jazida e mandaram os escravos iniciarem a escavação.

Porém, ainda conforme Aníbal, a cratera ao redor do ouro ficou muito grande e desabou em cima dos escravos. Diversos escravos morreram soterrados no Morro do Rosário.

Comovidos, os companheiros escravos que sobreviveram decidiram construir uma pequena capela no local em que as mortes ocorreram.

“Os outros escravos, os amigos deles, fizeram uma pequena capela, que é a Capela de São Benedito. Foi construída essa capela para rememorar os companheiros que tinham falecido. Esse é o começo de tudo”, revelou Alencastro.

Arquitetura colonial

O historiador revelou que, na época, não havia cimento e outros materiais de construção. Com isso, os escravos utilizaram a técnica de taipa de pilão para construir as paredes da igreja.

“Eles amassavam o barro juntamente com capim e aí, entre madeira, eles iam apertando aquela massa. Não era uma massa muito molhada, era mais seca. Eles iam amassando e ia se tornando uma parede”, explicou o professor.

Na medida em que essa massa secava, os escravos levantavam os blocos de taipa de pilão De acordo com Aníbal, o pé direito utilizado na época era baixo e possuía cerca de 3 metros de altura.

Outro detalhe da arquitetura é a grande utilização de madeira para ajudar na sustentação. Em Cuiabá, se usou muita madeira de aroeira nos casarões e até na capela.

“Em cada quina da parede eles fincavam um mourão de aroeira, que era uma árvore que tinha muito aqui na região e durava muito tempo. Era chamado de ossatura de madeira. E essa madeira era ligada em outra madeira em cima, outra viga, aí se fazia o telhado”, afirmou.

Já as telhas eram feitas, literalmente, nas coxas dos escravos, que eram chamadas de telhas coloniais ou telhas portuguesas.

“Os negros que faziam essas telhas nas coxas. Eram moldadas nas coxas dos escravos. Foi aí que surgiu essa expressão: ‘feito nas coxas’”, disse o professor.

Além disso, o design colonial também possui janelas simples feitas de madeira, mas sem a presença dos grandes vitrais cheios de adornos.

Conforme o tempo foi passando, a pequena capela passou por algumas reformas e modificações, até que se transformou em Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

“Essa igreja não foi demolida. Foi feita uma capela e está até hoje. Ela só foi reformada. A estrutura dela ainda é a antiga”, afirmou.

Importância histórica

A região em que a igreja foi construída também está recheada de história. Os escravos que trabalhavam nas Minas de Sutil passaram a morar na parte de cima do morro, que hoje é o Bairro Baú, de acordo com o professor.

“Os escravos que vieram para cá, na época de Miguel Sutil, e trabalharam ali, moravam um pouco mais adiante, onde é o Bairro do Baú. O Bairro do Baú era só de escravos”, disse.

O morro foi chamado, inicialmente, de Colina do Rosário. Segundo Alencastro, essa é a colina que está estampada no brasão de Cuiabá até hoje. “É a colina que é salpicada de ouro”, comentou.

Aníbal também conta que, em 1925, a região ganhou a primeira usina hidrelétrica da Capital, no Rio da Casca. Hoje, o local é conhecido como Morro da Luz.

“Na época do governador Mário Correa da Costa, tinha uma subestação ali em cima do morro e ganhou o nome de Casinha da Luz. Daí torno-se o Morro da Luz”, relembrou o pesquisador.

A Igreja de São Benedito se transformou em um importante monumento para o Município, segundo o historiador. Foi onde a cidade foi criada a partir do trabalho dos escravos e não sofreu mudanças ao longo dos anos.

“Essa igreja é um símbolo para nós. Ela é tão importante porque é um patrimônio que não foi modificado, até hoje se mantém. Foi também o local em que nasceu Cuiabá. É um símbolo nosso que nasceu com os escravos”, afirmou.

Santo dos negros

De origem italiana, São Benedito era filho de escravos vindos da Etiópia, na África. Muito cedo ele começou a dedicar sua vida à Deus, segundo a devota Benedita Duarte de Souza, mais conhecida como Sinhá, de 92 anos.

Logo ele ingressou em um convento, na Sicília, onde passou a exercer a função de cozinheiro. Em pouco tempo, São Benedito transformou a cozinha em um local de oração e fervor.

De acordo com Sinhá, apesar de ser analfabeto, São Benedito assumiu o cargo de Guardião do convento, o maior posto administrativo.

O santo negro também realizou grandes trabalhos com a população mais carente.

As histórias religiosas contam que ele não dispensava nenhum pobre sem antes dar alimento e ajuda, mesmo com dificuldade no mosteiro.

No Brasil, São Benedito foi venerado, inicialmente, pelos negros, que relacionaram a escravidão e a origem africana do santo com o seu próprio passado de escravidão e suas raízes.

Ele também é tido como o santo protetor da cozinha, dos cozinheiros, contra a fome e a falta de alimentos.

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