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Sem poder se locomover, artista plástica pinta por meio de tablet

Entre aparelhos médicos, tubos e medicamentos, a artista plástica Regina Pena encontrou na tecnologia uma maneira de prosseguir com a pintura. Em 2012, a artista foi diagnosticada com esclerose múltipla, que a impediu de continuar desenhando em telas.

A doença é neurológica e afeta o sistema nervoso central. Isso acontece porque o sistema imunológico do corpo confunde células saudáveis com "intrusas", e as ataca provocando lesões. Os danos causam interferência na comunicação entre o cérebro, medula espinhal e outras áreas do sistema nervoso central. Esta condição pode resultar na deterioração dos nervos.

A doença se desenvolveu rápido e comprometeu seus movimentos. A esclerose afetou, principalmente, o lado esquerdo do corpo da artista.

Hoje, morando em um residencial geriátrico, Regina não consegue mais levantar um pincel. Ela, então, passou a desenhar com os dedos por meio do aplicativo Sketchbook no tablet.

No começo houve muita resistência por parte da artista. Ela não conseguia se imaginar sem suas tintas.

“Quando eu me vi impossibilitada, não dava conta mais de pintar em tela. Eu gostava de pegar a tela da parede, preparar as telas para pintar e não tinha mais forças”, disse.

No entanto, a necessidade de se expressar, de se colocar no mundo, sempre a acompanhou. Foi quando sua amiga Maria Teresa Carracedo a influenciou a escrever poemas.

“Percebi que precisava canalizar para alguma forma de expressão, tinha necessidade de criação. Isso é vida para mim, sempre foi”, afirmou a artista.

Nesse tempo, ela escreveu cerca de 80 poesias. Então Maria Teresa deu a ideia de ela começar a ilustrar o próprio livro. A esclerose já havia avançado e Regina precisou se mudar para o Paraná.

Nesse período em que passou longe de sua terra natal, Regina produziu uma série pelo iPad. Assim ela descobriu que poderia dar seguimento à sua grande paixão.

“Existem umas diferenças porque você não sente a tinta, o cheiro, as pinceladas. Mas o processo de criação é o mesmo. Fiquei muito ruim lá. Mas sempre pesquisando, todo dia”.

Quando retornou para Cuiabá, a pintora se sentiu tão feliz que fez uma série de quadros relembrando sua infância no cerrado. Nesses desenhos produzidos totalmente de forma digital, ela representou casas antigas, pomares, flores e até bordados de centro de mesa.

“Quando eu cheguei, eu estava em uma animação muito grande. E foi tão feliz para mim”, relembrou Regina muito emocionada.

Artista autodidata

Regina Pena conta que, desde muito pequena, se interessava muito por arte. Ela começou desenhando nos cadernos de atividades da escola e sempre foi muito observadora.

“Quando eu tinha uns oito anos, descobri o piolho de urubu. Em um dos areões de Chapada, eu vi aqueles redemoinhos, aquele buraco perfeito. Fiquei encantada”, relembrou.

Aos 14 anos a artista começou a pintar em telas, no entanto ela nunca fez nenhum curso de pintura. Regina se orgulha de sempre ter se dedicado sozinha ao aprendizado da arte.

Em 1974, começou a pintar profissionalmente. Ela participou de uma exposição e inscreveu três obras, porém apenas uma foi selecionada.

“Fui atrás de um dos jurados, que era o Humberto Espíndola, para saber por que aquela tinha passado. Ele me explicou que, se eu quisesse prosseguir, teria que fazer uma pesquisa com fotografia”, expôs Regina.

Assim, a pintora começou a estudar mais sobre artes plásticas. Foi quando passou a visitar os vilarejos próximos de Cuiabá.

"Comecei a pesquisar mais, ia aos pequenos vilarejos, via mulheres na beira do rio, pescadores. Fui para Bom Sucesso, São Gonçalo e ai fui desenvolvendo”.

Com traços delicados, Regina percebeu que sua paixão era retratar o popular, o regionalismo da sua terra. Ela conta que uma de suas grandes inspirações foi o mergulho do biguá – ave aquática.

“Eu ficava intrigada em como um pássaro pode mergulhar e ficar tanto tempo embaixo d’água. Então isso me marcou muito. A partir disso eu fiz várias telas, vários trabalhos pesquisados no biguá”, explicou.

Cada trabalho se caracteriza por uma profusão de cores e formas. A poesia e o imaginário tomam conta das pinceladas rápidas. Misturadas na tela, as distorções do espaço expressam os sentimentos da artista.

Tragédias

Os primeiros sintomas da esclerose múltipla começaram a aparecer entre 2005 e 2006, porém Regina foi diagnosticada com disritmia. Mas foi somente em 2012, quando já estava debilitada, que a artista recebeu confirmação.

“Fiquei seis anos com o diagnóstico errado. Até esse tempo, eu produzia objetos, pintava em tela, depois não consegui mais”, relatou Regina.

Ela, então, passou a andar de cadeira de rodas, pois os movimentos estavam comprometidos. Já em 2014, se mudou para um residencial geriátrico, no bairro Boa Esperança, em Cuiabá.

Hoje, aos 66 anos, a artista vive em uma cama hospitalar rodeada por aparelhos médicos, que ocupam a maior parte do seu pequeno quarto.

Além disso, precisa conviver diariamente com a dor causada pela doença neurológica. Até o tecido das roupas provoca dor.

“Na maior parte do tempo, eu estou descoberta e sentindo dor. Tenho muito trabalho de paciência, de aprendizagem. A limitação é tão grande que dependo das pessoas quase para tudo. Eu nem sei dizer. É muito difícil”, disse, com lágrimas nos olhos.

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